Educação em sustentabilidade: o que se leva para a sala de aula quando o assunto é meio ambiente?

6 de fevereiro de 2024

Se o planeta está em desequilíbrio e a educação é a resposta, educadores não podem mais ignorar a questão socioambiental

Parece utópico, quase impossível, insolucionável. Mas enquanto do ponto de vista político e social as mudanças climáticas ainda não são um consenso, do ponto de vista científico não há espaço para dúvidas. Se a sociedade ainda não está convencida, e menos ainda preparada para enfrentar o problema, as instituições de ensino têm um papel chave nessa dinâmica. É por isso que tem sido cada vez mais discutido os enlaces da educação em sustentabilidade. Para especialistas, a educação é imprescindível para reverter essa realidade.

Nos últimos anos, o clima tem demonstrado que há um desequilíbrio em processo. Ondas de calor ou frio em intensidades nunca vistas, secas e enchentes inéditas ou em locais inusitados, tempestades com frequência e força jamais registradas. Para os defensores de que a consciência ambiental é puro alarmismo há cada vez mais dificuldade em defender hipóteses apocalípticas. Para além da educação em sustentabilidade, o ser humano está enxergando na prática as consequências de seus hábitos, comportamentos e escolhas. 

Pouco antes de 2023 terminar, o Copernicus – Programa da União Europeia de Observação da Terra – já alertava que as médias registradas até então mostravam que o ano finalizaria como o mais quente da história, estando quase 1,5°C acima da média. Esses dados coincidem com as ondas de calor que assolaram o território brasileiro na primavera de 2023, trazendo recordes de temperatura em várias regiões do país. 

No entanto, segundo levantamento do grupo de monitoramento de notícias falsas sobre a mudança climática, o Stop Funding Heat, notícias negacionistas receberam entre 800 mil e 1,3 milhão de cliques diários no Facebook em 2021, sendo que a maioria esmagadora delas não foi checada pela rede social. No mundo inteiro, políticos dos mais variados espectros ideológicos seguem sendo negacionistas climáticos, utilizando argumentos falsos para acumular ganhos eleitoreiros – como o falso antagonismo entre medidas climáticas e o bom desempenho econômico –  e assim barrar iniciativas de sustentabilidade em seus governos. 

É nesse cenário de tantos paradoxos que os ativistas climáticos insistem fortemente na necessidade de educação em sustentabilidade. Essa tarefa de caminho tortuoso delegada às instituições de ensino e seus educadores deve ser, portanto, muito bem executada para que se tenha efetividade. Para entender melhor essas nuances, conversamos com dois especialistas da área, acompanhando como o assunto deve ser abordado, e assim reverter as mudanças climáticas e salvar a existência da vida humana e de outras espécies. 

A percepção dos educadores

Embora a educação em sustentabilidade esteja em alta como novos desafios das instituições de ensino, ela não é novidade. Prova disso é que o Ministério da Educação tem, desde 1999, suas diretrizes sobre a educação ambiental, a Lei 9.795. Ela estabelece as  principais temáticas e enfoques que os educadores devem ter ao trabalhar o assunto em  todos os níveis de ensino, desde os iniciais até o ensino superior. A legislação também indica a educação de forma não-formal, isto é, fora das instituições de ensino, por meio de campanhas educativas, entre elas o Junho Verde. 

A bióloga e docente do Centro Universitário UniBRAS Montes Belos, Lilian Regina, é enfática ao afirmar que o principal recurso para reverter a mudança climática é a educação. Ela argumenta que sem uma consciência sobre a dimensão do problema, daremos inúmeras voltas ao redor de discussões radicais que demonizam o desenvolvimento econômico em detrimento ao ambiental, como se eles fossem antagônicos, e que na realidade não são.

“Sem educação ambiental efetiva, em todo o seu contexto político, de cidadania e pertencimento, não avançaremos numa discussão que ultrapasse a utopia de países ricos negociarem créditos de carbono, enquanto países menos desenvolvidos economicamente esmagam seus valores sociais em detrimento da ‘preservação ambiental’”, provoca.

Para a docente, é preciso discutir educação ambiental em seu contexto político. Dessa forma, ela indica que aborda temas como consumo consciente, práticas sustentáveis de manejo e produção agropecuária, Agenda 21, entre outros. Segundo Lilian, seu objetivo é trazer à luz da discussão contextos sociais e políticos como agentes de transformação para a sustentabilidade em harmonia com o desenvolvimento econômico, relativizando os conflitos atuais entre desenvolvimento econômico e sustentabilidade. Mas ela garante que, ainda assim, a tarefa não é fácil. 

“É difícil discutir assuntos dessa natureza, num mundo tão polarizado politicamente, onde todos os temas políticos não-partidários e não relacionados aos pleitos ou mandatos para o executivo ou legislativo são sempre compreendidos dentro desse contexto, e não como discussão cidadã e consciente sobre fatos que afetam a todos de igual forma”. 

A percepção de que a educação em sustentabilidade passa pelo espectro político também é compartilhada pelo pedagogo e docente da UniBRAS Digital, Rafael Moreira. Para ele, é preciso que o aluno entenda que a sustentabilidade também mexe com os aspectos sociais, como qualidade de vida e bem-estar, desenvolvimento social e econômico. O docente explica que a sustentabilidade vai além de preservar os recursos naturais.

“Eu digo que é uma questão muito mais que multidisciplinar, mas também interdisciplinar e transdisciplinar, porque a sustentabilidade engloba várias disciplinas, áreas do conhecimento, habilidades e competências”, explica o pedagogo.

A reação dos alunos

Para além da estranha dualidade entre o iminente colapso climático e o negacionismo como tendência política, os educadores têm em essa sala de aula os tradicionais desafios de educar para diferentes níveis de idade, ao mesmo tempo que lutam para inserir a educação  em sustentabilidade no cotidiano do aluno, já que se não houver essa proximidade, não há criação de consciência ambiental, muito menos o desenvolvimento de qualquer ação prática em resposta ao problema. 

Além disso, os educadores também estão na linha de frente desse processo civilizatório, e há muita vulnerabilidade nessa função. Nos últimos anos, muitos professores foram confrontados em sala por estudantes e pais ávidos por controle de pautas educacionais e acusações infundadas de doutrinação ideológica. Essas questões elevam ainda mais a responsabilidade educacional das instituições de ensino, que precisam conter em seus  planejamentos pedagógicos tanto ferramentas de contenção e proteção de seus educadores quanto dinâmicas educativas capazes de superar esses desafios. 

O professor Rafael Moreira explica que é fundamental que as instituições de ensino tenham foco em inserir a educação em sustentabilidade de uma maneira integrada às pautas em geral, e não somente em momentos e campanhas específicas. Na visão dele, isso desperta no aluno a ideia de que a questão ambiental é um tópico disperso de outros assuntos, quando na realidade ela deve estar inserida nos mais diversos nichos sociais.

“Eu penso que nós como educadores temos que deixar de abordar esse tema só como se fosse um projeto em específico. A sustentabilidade deve estar atrelada à educação de forma constante, não só como currículo base, mas também como atividades diversificadas como projetos de extensão, orientações em contextos de estágio e trabalho de conclusão de curso, por exemplo. O que percebo é que para além da emergência climática, há hoje práticas isoladas, somente quando há provocativas, e precisamos evoluir com relação a isso”, aponta. 

Para ele, essa visão isolada de sustentabilidade como projeto faz com que a escola não aborde a questão ambiental de forma contínua e suficiente para mudar a realidade da maneira como necessitamos. Ao contrário: ela acaba confinada a exercícios e campanhas específicas. Assim, é necessário fazer com que a educação em sustentabilidade seja mais visível, para que os alunos entendam de uma vez por todas que a consciência ambiental precisa estar presente de forma generalizada nas ações e planejamentos cotidianos.

Esse pensamento do docente está bastante atrelado à base teórica dos pilares da sustentabilidade. Criada em 1994 pelo sociólogo e consultor John Elkington, essa visão argumenta que, para que seja alcançada a sustentabilidade, é preciso olhar, para além da questão ambiental, também os pilares sociais e econômicos. Em outras palavras, a sustentabilidade não pode ser alcançada sem que haja igualdade de recursos, bem-estar social, educação de qualidade para todos, e também o correto cuidado com a economia. 

John Elkington também explica, por meio de várias obras lançadas na década de 90, que não há antagonismo entre sustentabilidade e economia, ou seja, não é preciso abrir mão dos recursos financeiros para que se cuide dos recursos naturais. Pelo contrário: elas podem e devem andar juntas. Isso porque sem o devido cuidado com a economia, não há  a justiça social necessária para que se crie um ambiente estável para as práticas sustentáveis. Ao mesmo tempo, sem o devido cuidado com a natureza, os prejuízos financeiros são inevitáveis, mais cedo ou mais tarde. 

Essa visão colabora fortemente com a discussão de preservação da floresta amazônica, por exemplo, já que grande parte dos agentes do desmatamento são grileiros que se aproveitam da vulnerabilidade social dos habitantes da região para colocar a floresta abaixo. Por outro lado, o uso ostensivo das regiões desmatadas para a agricultura também não traz avanços econômicos duradouros e significativos, já que as terras não são apropriadas para o plantio, e acabam inutilizadas em pouco tempo. 

Mas se a floresta estiver de pé, há condições suficientes para que sejam colocadas em prática atividades econômicas que tragam prosperidade aos moradores, sem que seja necessário destruir o bioma. No caso da região amazônica, a produção ecológica de açaí, cacau e o extrativismo da castanha do Pará são exemplos de como se pode movimentar milhões e trazer estabilidade financeira a muitas famílias da região sem qualquer prejuízo ambiental.

Para a professora Lilian Regina, trazer essa consciência aos alunos é um dos maiores desafios da sua docência, já que na região onde atua o agro é muito forte. Ela explica que toda conversa sobre sustentabilidade acaba encontrando resistência da base do agronegócio em função da ignorância de líderes da área sobre o tema. Por isso, aponta que a educação em sustentabilidade passa inevitavelmente pela economia, sociedade e ambiente, e não somente pela questão ambiental divorciada de todos os fatores que a constroem. 

A docente ainda destaca que não é possível se distanciar das discussões políticas e sociais para discutir o tema. “Esse é o ponto mais delicado. Por isso, trabalho esse conteúdo com amparo legal e suas aplicações. Há reflexões sobre ética ambiental, consumo desenfreado, o conceito de sustentabilidade, crise ambiental, como também políticas ambientais, com foco nas ações do estado e na participação da sociedade comum”. 

Lilian explica que há, inicialmente, um estranhamento por parte dos alunos quando se aborda a proximidade da educação em sustentabilidade com política e sociedade, já que na visão inicial deles, o tema deveria ser tratado somente com ideias e projetos pontuais. Mas conforme o diálogo vai caminhando, surge a percepção de que essas ações apenas protelam discussões mais amplas.

“Os alunos não costumam reagir bem se não começarmos pisando em ovos e com toda a narrativa pronta para direcioná-los a reflexão sobre os fatos. Creio que este trabalho necessite de ações contínuas desde a base até o ensino superior. Só assim a educação em sustentabilidade será efetiva”. 

(Texto: Bruno Corrêa – Assessoria de Comunicação do Ecossistema BRAS Educacional)

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